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Projeto de lei que proíbe cotas raciais nas universidades é aprovado na Alesc

Medida ataca política que ampliou a diversidade racial no ensino superior brasileiro

Publicado: 12 Dezembro, 2025 - 12h00

Escrito por: Sinte-SC

Rodrigo Corrêa/ Agência AL
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No Estado onde apenas 16,8% de jovens negros acessam o ensino superior, a casa legislativa catarinense escolheu ampliar a distância entre a população negra, historicamente marginalizada, e as Universidades estaduais. Isso porque foi aprovado na Alesc, na última sessão do ano (10/12), um projeto de lei que proíbe a adoção de cotas raciais em instituições de ensino superior públicas ou que recebem verba do governo estadual.

Dados de um relatório produzido pelo Observatório para o Enfrentamento ao Racismo, lançado nesta semana em evento que teve apoio do Sinte/SC, apontam que em Santa Catarina a probabilidade de jovens negros ingressarem em Universidades, é duas vezes menor que pessoas não-negras dessa faixa etária. Neste cenário de desigualdade racial no acesso à educação, o projeto de lei 753/2025, de autoria do deputado Alex Brasil (PL), vem na contramão da política federal (Lei nº 12.711/2012), que nos últimos 13 anos, promove o ingresso da população negra ao ensino superior.

Doutor em Antropologia Social e pesquisador na área das relações raciais, Thiago Santana, aponta que a medida deve aprofundar desigualdades educacionais e raciais no Estado. “É amplamente documentado, em pesquisas e dados oficiais, que as ações afirmativas foram responsáveis, nas últimas duas décadas, por um avanço histórico no ingresso de estudantes negros em universidades públicas. Uma eventual mudança legislativa nesse sentido pode intensificar desigualdades educacionais e raciais que o país tem buscado enfrentar, colocando Santa Catarina em direção oposta à política nacional - especialmente após a promulgação da Lei 14.723/2023, que ampliou o alcance das cotas", explica o especialista.

Se sancionado pelo Governo Jorginho Mello, o projeto de lei que proíbe cotas raciais e multa instituições de ensino que descumprirem a norma, vai afetar as universidades do sistema Acafe, que recebem bolsas do Universidade Gratuita, as faculdades privadas que recebem gratuidades do Fumdesc e a Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Atualmente, a UDESC possui uma política de ações afirmativas que reserva 10% de vagas para a população negra e 20% para candidatos que cursaram integralmente o ensino fundamental e médio em instituições públicas.

Desde o início da tramitação do PL 753/2025, em outubro deste ano, o Sinte/SC vem se posicionando de forma contrária à proposta. O professor da rede pública estadual e Secretário de Relações Étnico Raciais do sindicato, Marcio de Souza, avalia que a medida busca impedir a mobilidade social da população negra no Estado. “Essa medida coloca uma barreira no acesso de negros e negras às universidades públicas, e tem o objetivo de impedir a mobilidade social de grupos historicamente vulneráveis. Ela contraria fortemente a promoção da diversidade e da inclusão nas universidades, funcionando como uma tentativa direta de manter a exclusão social e restringir o acesso ao ensino superior justamente para quem mais dele precisa”, afirma o professor.

De acordo com o pesquisador Thiago Santana, o projeto desconsidera matérias jurídicas essenciais que consolidam as ações afirmativas no país. “O Supremo Tribunal Federal, desde a ADPF 186 (caso UnB), consolidou o entendimento de que ações afirmativas são constitucionalmente legítimas e necessárias para correção de desigualdades estruturais. Esse entendimento foi reiterado em decisões posteriores, como o RE 597.285 e a ADC 41. Além disso, os objetivos fundamentais da República (art. 3o, III e IV) demandam ações estatais voltadas à superação da marginalização e à promoção do bem sem preconceitos. Propostas que tenham o efeito de reduzir políticas de equidade racial confrontam esses princípios", destaca Santana.

Reforçando essa análise, o diretor do Sinte/SC, Marcio de Souza, também aponta a gravidade da contradição jurídica presente na aprovação do PL que extingue as cotas raciais no estado. “Os legisladores que aprovaram essa matéria atacaram os direitos constitucionais da população catarinense. O acesso ao ensino superior por meio de ações afirmativas é garantido por legislação federal e respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) . O que ocorreu aqui nesta tarde é uma aberração jurídica, e coloca Santa Catarina numa posição de vergonha diante do país”.

O dossiê publicado pelo Observatório para o Enfrentamento ao Racismo, destaca as políticas de ações afirmativas como um importante instrumento para gerar as oportunidades que foram historicamente negadas à população negra. De acordo com o relatório, a expansão das políticas de cotas e demais ações afirmativas pode ampliar a participação da população negra nos espaços decisórios e de governança, o que tende a reduzir a omissão do Estado no enfrentamento ao racismo.