ARTIGO: Algumas reflexões sobre a educação não presencial
"Quando este período passar, o mundo deve ter aprendido outros valores, outras dinâmicas, e especialmente a importância da educação, da ciência e da tecnologia" - escreve Marta Vanelli em seu artigo
Publicado: 08 Abril, 2020 - 11h11 | Última modificação: 08 Abril, 2020 - 12h18
Escrito por: Marta Vanelli
É evidente que SC, o Brasil e todo mundo está vivendo algo novo, uma pandemia, causada por um vírus avassalador, que em poucos dias se espalha e mata milhares de pessoas. Um vírus invisível que fez o mundo parar e está causando a disputa de líderes mundiais por máscaras e respiradores e não mais por Petróleo.
Parada também em todo o mundo está a Educação, tanto a básica como a superior, por ela se dar em espaços com aglomerações, uma vez que a ordem é o isolamento social para que a contaminação seja disseminada e os hospitais consigam atender os casos de infectados graves.
Como a educação básica está organizada por ciclo anual com determinado número de dias e de horas de efetivo trabalho escolar, os gestores públicos, especialmente, estão implementando a educação não presencial, ou também chamada educação a distância, como forma de cumprimento das 800 horas anuais uma vez que os 200 dias já foram flexibilizados pelo governo federal.
Sobre a educação não presencial – está prevista da LDB, art 32 no ensino fundamental como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais e o art 36 para o ensino médio, incluído com a lei 13.415/2017 chamada de reforma do ensino médio mas que ainda não foi implantado em praticamente em todo país.
Em relação ao ensino fundamental, quando a legislação autoriza em situações emergenciais, há a necessidade de resolução do órgão normatizador, o conselho estadual de educação, que em Santa Catarina aprovou a resolução no primeiro dia em que as aulas foram suspensas como antecipação de recesso escolar.
Há dois entendimentos sobre situações emergenciais, uma delas é quando acontece algo que é necessário a suspensão das aulas presenciais, quando atinge só o ensino fundamental e que há a normalidade nas aulas presenciais no ensino médio e no ensino superior. Aí sim há a necessidade de tentar realizar atividades não presenciais para que o ensino fundamental atenda o mínimo exigido e o fluxo educacional seguir seu percurso. O outro entendimento é que neste caso em que toda a educação está parada, todo o fluxo está parado no seu percurso, não há a necessidade de ser considerada situação emergencial, pois a carga horária de conteúdo anual para a educação básica e semestral para o ensino superior deve ser revista e reorganizada. Não sabemos quanto tempo será necessário ficar em isolamento e se não haverá a necessidade de outro isolamento este ano.
Para o ensino médio, mesmo estando prevista, mas não implementada, vale os mesmos argumentos, a carga horária anual presencial deverá ser revista.
Em relação aos equipamentos necessários para a educação a distância, mesmo com toda a luta dos profissionais da educação para garantir salas de informática, com computadores, internet e um profissional especifico para atender nesta sala, sempre foi em defesa de mais um instrumento pedagógico para a complementação de atividades, a fim de melhorar a qualidade da educação e não para aulas não presenciais. Portanto a Secretaria da Educação não tem organização e equipamentos necessários em sua rede para implementar as atividades não presenciais.
Tanto os/as professores/as e estudantes precisam ter a garantia de equipamentos como computador e internet, cabe ao estado garantir este equipamento. Não pode o governo apenas solicitar que os que não possuem equipamentos devam ir até a escola usar a internet e computador, pois isso implica que outros profissionais da escola tenham que ir para escola fazer atendimento, assim como a necessidade de ter merenda para os estudantes, isto pode causar aglomeração de pessoas. Há muitos casos em que o/a professor/a e estudante moram em outro município e tem barreias de entrada na cidade onde estuda ou trabalha.
Em relação aos professores – primeiro registrar que nossa formação inicial, é de trabalhar com educação presencial, na escola com interação direta com os/as alunos/as, segundo, que temos contrato de trabalho em horas semanais, que precisa ser respeitado em qualquer modalidade que seja adotada e terceiro, que também estamos em isolamento social, em casa, com os/as filhos/as, maridos, pais e mães e preocupados que o vírus que pode atingir alguém da família.
Muitos/as professores/as não tem computador, internet e espaço adequado para preparar suas aulas em casa. Creio que todos/as tem celular, mas a grande maioria tem a internet por crédito, apenas para uso familiar e pessoal. Muitos professores ao realizar o curso de formação para atividades não presenciais utilizaram todos os seus créditos do mês sem terminar de assistir todos os vídeos de formação, é preciso saber se a SED vai compensar e/ou financiar a internet e computadores para estes professores.
Sobre as orientações para o curso de formação, os gestores não respeitaram a jornada de trabalho de professor/a, enviaram mensagens de orientação pelo Whatsapp no sábado e até mesmo no domingo, nos mais diversos horários, como próximo de meia noite. Ora, no mínimo é preciso respeitar a jornada, não é porque existe Whatsapp que podem enviar mensagens com orientações de trabalho em qualquer dia e horário.
Preparar uma atividade não presencial é muito mais trabalhosa que uma aula presencial, pelo fato de não ter a interação direta com o educando, é preciso selecionar um conteúdo do plano de aula, elaborar um tipo de atividade que o estudante possa estudar e aprender sozinho em seu isolamento, elaborar uma atividade(trabalho) a ser desenvolvida pelo estudante e corrigido pelo professor, ou seja um trabalho por aluno. O governo vai pagar como aula excedente este trabalho a mais ou vai diminuir o número de aulas de cada professor e contratar mais professores/as. Afinal, não estamos falando em aulões onde o professor/a atua como monitor/a e centenas de estudantes assistem a uma aula, estamos falando de atividades não presenciais, elaboradas pelo próprio professor/a da turma, que no mínimo leciona 32 aulas semanais, com uma média de 10 turmas de 30 alunos cada turma, do sexto ao nono ano do ensino fundamental e do primeiro ao terceiro ano no ensino médio. Cada aula deve ser preparada pensando no perfil dos alunos daquela turma, portanto 32 aulas diferentes por semana. Ou será que esta atividade não presencial é apenas para o professor elaborar um trabalho para o aluno fazer em casa? Se for isso, é a enganação de atividades não presenciais das mais absurdas que se possa imaginar.
Outro elemento a ser considerado é a relação do/a aluno/a com o/a professor/a, se ele tiver duvidas deve contatar o/a professor/a será orientado/a a consultar somente em horário em que normalmente estaria trabalhando na escola ou deverá ficar à disposição 24 horas por dia? Os pais que também estão em isolamento social e acompanham a atividade de estudo do filho, ele também pode procurar o professor por Whatsapp para tirar dúvidas ou não? Imaginem como será o dia deste/a professor/a que precisa se concentrar para preparar as atividades não presenciais, em espaço inadequado em sua casa e a todo instante ter que responder mensagem de Whatsapp de aluno e de pais. Qual orientação será enviada aos estudantes e pais sobre isso?
Em relação aos alunos a CF88 garante o direito a educação para todos os estudantes, sendo obrigatório de 04 aos 17 anos.
Os alunos que possuem computador e internet em sua casa pode não ter um local adequado para estudar em função do isolamento social, em que todas as pessoas de sua família estão em casa.
É preciso estabelecer o dia e a hora que este aluno pode receber a atividade de seu/sua professor/a seja por e-mail, ou outra forma de comunicação, o/a estudante não está disponível 24 horas por dia para o/a professor/a, ele estuda um período do dia apenas, poucos estão em tempo integral. Além do mais, ele vai receber atividades das onze a treze disciplinas, não apenas de uma disciplina.
Eles também estão preocupados com o caos instalado e preocupados que alguém de sua família possa ser infectado e muitos deles com alimentação precária em função do alto nível de desempregados e em vulnerabilidade social.
Concluindo, ao finalizar estas reflexões, entendo que não é momento e muito menos tranquilidade psicológica por parte dos professores e dos alunos para experimentar uma modalidade na educação que não foi testada.
É um momento de muita instabilidade, se insegurança, de medo, de isolamento para continuar vivo/a e de não perder nenhum ente querido.
Quando este período passar, o mundo deve ter aprendido outros valores, outras dinâmicas, e especialmente a importância da educação, da ciência e da tecnologia. E é neste novo que vamos reorganizar os conteúdos de um ano letivo, que necessariamente não deve ser em ano civil e que tenhamos mais investimentos públicos na educação, com os profissionais mais valorizados, mais investimento nas tecnologias e na Ciência para finalmente alcançarmos a qualidade que tanto lutamos.
Marta Vanelli - Professora da rede pública estadual de SC, diretora da CNTE